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1 de dez. de 2012

Intervenções urbanas no espaço da arte: vistas e perspectivas da obra

Aline Sant Ana

“Quando a arte se torna maior que a criação
Muitos a chamam de obra
Quando a obra se torna maior que o homem
Ela se chama cidade”
(F.U.R.T.O)

À direita há uma porta marrom de uma casa abandonada. À esquerda há vários desenhos na parede: cinco reproduzem o personagem Charlie Chaplin, um o Papai Noel com a escrita “Ho ho ho” abaixo, três pinturas de braços levantados e as palavras “lute” e “resista”. As intervenções urbanas utilizadas nesta parede são chamadas de estêncil. A técnica necessita da utilização de pranchas com desenhos vazados que é por onde passa a tinta ou o spray. Esta casa se encontra na Avenida Presidente Vargas, no centro da cidade, próxima ao Hospital Ivan Goulart
O estêncil é muito encontrado em
paredes na cidade. A técnica
pode ser feita com tinta ou spray e
consiste na utilização de uma
prancha com o desenho vazado
O trecho da música da banda F.U.R.T.O, grupo que compõe músicas pelas causas urbanas, é mais do que uma evocação à arte das ruas. É a prova de que ela compõe as cidades.  A arte vista da perspectiva dos elementos que estão no cenário urbano interfere, segundo a própria letra, na grande obra humana. Mas quando a cidade é a própria arte, alguns detalhes que compõem sua magnitude são ofuscados pela sua imensidão. Estes detalhes são intervenções urbanas.

Intervenções Urbanas é um termo que possui em sua origem a explicação para uma visão de mundo que interpela a construção do eixo urbano. Apesar de em cidades do interior, como São Borja, esta constatação de urbanidade não ser tão grande quando comparada aos grandes centros, as intervenções de cunho artístico estão presentes no ambiente. Basta reparar.

Piches, grafites, estêncil, decoração livre, pinturas e teatro são algumas formas de percepção da arte nas ruas. Atualmente, diversas dimensões destas intervenções buscam compor os espaços como forma de inserir um ritual artístico e excêntrico no inclausurável cotidiano da cidade. Mesmo pessoas que vivem em trânsito de um grande centro urbano para pequenas localidades percebem o dinamismo destas intervenções.

Merli Leal, moradora de São Borja e Porto Alegre, está sempre em função do itinerário da capital rumo ao interior, em função do seu trabalho. Professora universitária, Merli circula dentre os principais trechos do centro das duas cidades em função da sua rotina corrida. Ainda assim, a professora revela que detalhes na composição dos espaços são coisas que a chamam atenção, pois revelam, de fato, alguma mudança naqueles locais.

– As intervenções artísticas humanizam, conferem identidade e socializam o espaço urbano. O grafite, por exemplo, invade as ruas sem preconceitos artísticos e contribui transformação e democratização da sociedade – destaca.

Geralmente presente em locais públicos, o grafite é uma manifestação artística do hip-hop (da cultura norte-americana) e um dos elementos mais comuns quanto aos tipos de intervenções urbanas. No Brasil, a arte surgiu na década de 70, quando ganhou uma versão aportuguesada para o manifesto da palavra pichação, que comparava o ato do grafitismo ao vandalismo. A prática, por determinação do artigo 65 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, foi declarada como crime. Até então, a diferença conceitual entre a prática do grafite e do piche, era o intuito da arte. O grafite, por exemplo, pode ser feito com diversos materiais que vão desde o spray convencional até o látex – todos utilizados para a realização de pinturas que buscam valorizar o patrimônio urbano.

Um muro branco e bege com a pintura descascada próxima à calçada tem as palavras “acorde” e “tortura” escritas em caixa alta e na cor vermelha. A palavra “acorde” foi escrita com spray. Já a palavra “tortura” foi pintada em cima de outros símbolos quase apagados. Este muro é de uma casa localizada na Rua Cândido Falcão, centro de São Borja.
Muitas vezes, os pichadores utilizam a técnica 
como liberdade de expressão
Já o piche, consiste na prática de “conspurcação de edificações ou monumentos urbanos” (Lei Lei nº 9.605/98) com os sprays ou materiais danosos à superfície paisagística do local.

Até maio de 2011, ambas as práticas eram consideradas como crime por se materializarem em locais públicos e privados, sem o consentimento do proprietário ou responsável, e ainda resultarem da venda de sprays ilegais para menores de dezoito anos.  Com a promulgação da Lei nº 12.408/11, porém, apenas o piche foi considerado como crime, já que o grafite possui em seu  intuito a atribuição da arte para valorizar espaço urbano. Ainda que esta diferenciação entre as duas práticas só exista no Brasil, o grafite é uma das expressões artísticas mais visíveis e esteticamente transformadoras dos grandes centros urbanos.

Veja o infográfico sobre a história do grafite e curiosidades da sua chegada ao Brasil:


A arte nas ruas pelas mãos de um grafiteiro

Ao sair de Porto Alegre, Arielson de Deus, veio para São Borja sem se desligar da arte. O grafiteiro, que desde os 13 anos tem contato com desenhos e pinturas, foi sendo influenciado pela cultura underground, pelo Skate e pelo hardcore - elementos que, para ele, compõem a identidade das ruas. Para o grafiteiro, apesar dos anos 70 para cá a quantidade de pessoas que fazem grafite ter aumentando, o preconceito com a prática ainda existe.

– Nada mudou. As pessoas ainda continuam taxando o grafite como vandalismo. O grafite só proporciona melhoras quando está pronto, quando as pessoas veem que está pronto e o que é – ressalta.

Desde que se popularizou no Brasil, a arte do grafite tomou uma dimensão cultural capaz de incorporar modas, política e até referências linguísticas ao próprio “mundo do grafite”. Algumas gírias como writter (o artista que pinta); bite (imitar o estilo de outro grafiteiro); crew (um grupo de grafiteiros que se reúne para pintar ao mesmo tempo); tag (a assinatura do grafiteiro); toy (o grafiteiro iniciante) e spot (lugar onde é praticado o grafite) compõem a identidade vocabular dos indivíduos que exercem a prática.

Para quem não entende muito dessas gírias, no entanto, as referências culturais expressas nos grafites podem revelar a identidade cultural da qual o grafiteiro é influenciado. Nas ruas de São Borja, por exemplo, não é difícil encontrar desenhos, símbolos e palavras que remetem às mensagens contidas em filmes, séries ou bandas musicais.

Assista no vídeo como essas referências culturais estão presentes no espaço da cidade através da manifestação do grafite:



[Acessibilidade] Confira a audiodescrição do vídeo:

Comunicação e intervenções sociais

Apesar de, durante muito tempo, ter sido encarado pela sociedade enquanto ato de vandalismo, o grafite é um elemento que instiga estudos e pesquisas em universidades. Tratado como um tipo de mensagem, a qual os grafiteiros procuram projetar nas ruas, o grafite reflete um componente crucial que, segundo comunicadores, psicólogos e antropólogos, permite o conhecimento da sociedade.

Para o especialista em folkcomunicação, Fábio Corniani, este tipo de intervenção constitui mensagens articuladas no espaço urbano com o objetivo ínfimo da comunicação entre os indivíduos que as executam e a sociedade. Segundo Fábio, se a pessoa que está utilizando a arte urbana tem o objetivo de fazer uma mudança social através da sua mensagem, conseguindo concluir esta informação, efetivamente aquilo vai acorrer numa modificação. Mas nem sempre o objetivo da mensagem é uma transformação social.

– Às vezes pode ser uma simples cantada de amor e este ator não está trabalhando com nenhuma transformação social, mas uma intervenção de coisas que compõem o espaço – ressalta.

A psicanalista Juliana Rhoden atribui esse elemento comunicativo da mensagem à necessidade, que principalmente os jovens possuem, de se abrir para o mundo. Para ela, o imediatismo eufórico da jovialidade pode justificar o anseio de uma conexão mais evidente e adaptações no espaço. Juliana aponta que a arte urbana, neste sentido, é uma forma de canalizar as transformações sociais almejadas.

– Arte possibilita outra relação com o mundo, uma relação de não repressão. Estas intervenções, para os indivíduos, podem simbolizar o grito para o mundo, as insatisfações, as posturas políticas e o desejo de mudanças de cada um – completa.

Mesmo considerando o grafite uma derivação da arte, nem sempre o seu intuito contempla os valores da sociedade. Conforme lembra o antropólogo, coordenador do Grupo de Antroplogia Social e Pensamento Crítico (ASPEC), Daniel Etcheverry, as formas de intervenções, se tratadas como tal, são livres de julgamento.

Numa parede azul, internauta escreveu com tinta preta “@BecoBugra ‘siga’” e o desenho da própria mão. O intuito da pintura é adquirir seguidores em uma rede social. Esta intervenção urbana se encontra na Rua João Manoel, esquina com a Rua Barão do Rio Branco, centro.
As intervenções urbanas são utilizadas por pessoas
que desejam sair do anonimato
– Intervenções são intervenções. Não há nenhum problema quanto o entendimento da palavra. Mas é importante sempre questionarmos: são intervenções ao quê?

Para ele, as formas de intervenções respondem ao objetivo, ao lugar e, sobretudo, ao resultado que podem alcançar. O antropólogo destaca a importância de enxergarmos nos indivíduos a mudança social, uma vez que eles dão vida e espírito às intervenções.

– A alma das intervenções é o que o homem deseja fazer com ela. Por isso, muitas resistem ao espaço e ao tempo, mas sempre lembrando à humanidade quem um dia esteve ali, querendo dizer alguma coisa – explica.

Intervenção urbana e histórica

A história do grafite sempre esteve inerente ao espaço onde se projetou. Independente das polêmicas ligadas ao vandalismo ou criativismo das intervenções urbanas, o grafite sobrevive ao tempo, deixando marcas e lembranças de uma época. Quem não lembra do Profeta Gentileza e de suas mensagens de amor e esperança no Viaduto do Caju, no Rio de Janeiro? As mensagens pintadas na década de 80 marcam uma época de Guerras, violência, quebra-econômica e fome no país. Hoje, doze anos após sua morte, o pregador é lembrado como símbolo de mobilização artístico-social, que foi capaz de incluir no ambiente naturalizado da cidade maravilhosa, suas mensagens de paz.

Em São Paulo, outro grande exemplo de transformadores urbanos são Os gêmeos. Os irmãos grafiteiros já realizaram trabalhos monumentais ao transformarem fachadas de prédios, ruas e muros no centro da maior metrópole da América Latina. Atualmente reconhecidos em todo o mundo, Os gêmeos também contribuem para a intervenção social ao driblarem de forma criativa a “poluição visual” das cidades. Na cidade de São Paulo a Lei municipal  nº 14.223/06, mais conhecida como Lei da Cidade Limpa, já teria impugnado o trabalho dos Gêmeos. A decisão foi retomada, por sua vez, após a constatação de que a obra tinha o consentimento da empresa proprietária do prédio.

No podcast, ouça a como os proprietários de muros particulares atribuem a pichação em São Borja:


[Acessibilidade] Clique aqui para acompanhar o texto do podcast.





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