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30 de abr. de 2012

Neuza Penalvo, lembranças de um exílio

Em entrevista à Neuza Penalvo, revelam-se personagens marcantes da História 
e a lembrança de um exílio

Manuella Sampaio
Em 1964 o golpe militar principiava um longo período de mudanças no país e na vida dos brasileiros. Após a queda de João Goulart e a tomada de poder pelos militares, iniciou-se um tempo caracterizado pela supressão de direitos constitucionais, censuras, perseguições políticas e repressão aos que eram contra o regime militar. Esses fatores somados a um lugar chave, a terra dos presidentes, as pessoas que viveram e protagonizaram este período, constituem uma história singular, onde os ideais de luta e a própria militância construíram o sentido de toda uma vida.


Neuza Penalvo relembrando as histórias pessoais

 Neuza Pinto Penalvo é uma uruguaia, nascida no exílio dos pais em 1965. No entanto, para contar sua trajetória, é necessário voltarmos um pouco no tempo. Sempre envolvida com política, a família Penalvo viveu tempos conturbados após o golpe. Nesta época, seu pai, Percy Penalvo, tornou-se administrador das fazendas do então, ex-presidente, João Goulart. Vereador cassado, quando o cerco da repressão se fechou sobre ele e seus pares, não havia outra escolha senão sair de seu país e iniciar uma longa espera até que o regime acabasse, ou então, até que a situação de perseguição extrema desse trégua.

Saído do Brasil pelas perseguições, Percy foi exilado no Uruguai, no hotel dos exilados, onde alguns meses depois, com a primeira filha nos braços, teve a companhia de dona Celeste Penalvo. Lá, também residiram João Goulart, a família e outros companheiros de luta, onde viveram longos anos de esperanças. Foi assim, no exílio, que começou a história de Neuza.

Ela conta que desde criança sempre soube o porquê estava no Uruguai, afinal, o pai sempre falava do Brasil com carinho e prometia que em breve, ele e a família voltariam ao país. Quando a ditadura uruguaia iniciou, em 1973, Neuza passou a entender o que também havia acontecido no Brasil, tempos antes. Só então, ela pôde compreender ainda mais os motivos de Percy em continuar lutando pelo que acreditava ser o certo.

Possíveis planos de vida estável, como uma casa própria, nunca foram almejados no Uruguai, pois a certeza de retorno ao Brasil era viva e persistente. Nos anos mais duros da repressão uruguaia, a família resolveu morar um tempo na Argentina. No entanto, na mesma época o país é tomado pelo regime militar que dentre as três nações, teve a ditadura mais severa, como nos conta Neuza:


“Em 1976 nós íamos pra Argentina na esperança de ter um pouco mais de liberdade, aí houve o golpe militar e lá se matava muito mais que no Uruguai. Então, papai resolveu ficar até tentar de alguma forma voltar pro Brasil”.

Uruguaia com pais brasileiros, ela carrega consigo muito do significado de uma luta que durou 21 anos. O tempo passou, as coisas e a vida se modificou e muitas vidas se perderam durante a ditadura. Neuza é memória viva desses tempos. Dentro da gama de implicações que este período teve na história das pessoas, para ela a vida inteira girou em torno disso. Nascer e crescer em um lugar na expectativa de um dia ter que ir embora, para uma casa que não era sua, mas que na fala e no olhar do pai, era um lugar maravilhoso, que todos sentiam saudades e, para ela, ainda sim, era desconhecido.

Museu João Goulart, São Borja. 

São muitas as histórias durante e depois do exílio, uma delas é lembrada pelo retorno de sua família ao Brasil em 1978, quando a vida, enfim, seria fixada aqui. Assim que chegaram em São Borja foram morar na casa onde hoje é o Museu João Goulart, residiram ali durante 24 anos. Neuza recorda que no começo tudo foi muito difícil, pois somente ela e o irmão mais novo haviam nascido no país vizinho. Mesmo que já tivessem visitado o país dos pais algumas vezes, morar aqui agora, exigia uma adaptação com a língua, com o clima e com as pessoas que desconhecia. “Nos primeiros dias que nós chegamos, nós choramos muito. Era tudo muito diferente do que nós estávamos acostumados. Nos íamos pra aula e voltávamos aos prantos para casa”.
 
A diferença foi sentida também no ensino escolar. No Uruguai, estudavam em uma congregação jesuíta, onde a proximidade com os colegas e a formalidade no tratamento com os professores, era maior. Apesar de o pai alfabetizá-los em português quando moravam no Uruguai, o ensino curricular sempre foi em espanhol. Com isto, a maior dificuldade foi a escrita em outro idioma

Com os costumes, não sentiram uma grande diferença, já que os uruguaios e os gaúchos tem várias práticas em comum - exceto pelo chimarrão conforme explica Dona Celeste, mãe de Neuza: “uma coisa que eu acho engraçada dos uruguaios é que numa família cada um tem o seu chimarrão, ninguém toma o mate em conjunto como o gaúcho toma. Então o marido, a mulher, os filhos, todos fazem o seu próprio”.

Sobre aquela época, mãe e filha resgatam muitos acontecimentos marcantes que renderiam várias páginas de um livro. Percy, que faleceu há alguns anos, é lembrado com carinho pelas duas que hoje contam a história de um passado recente, mas muitas vezes esquecido pela sociedade. Passado este, que foi vivido intensamente pela busca da realização de sonhos e ideias de liberdade, que os mesmos nunca permitiram que se apagassem.

Perguntada sobre qual seria a sua pátria, depois de tanto tempo morando no Brasil, Neuza afirma que nunca se considerou nem totalmente uruguaia, nem totalmente brasileira. Quando morava no Uruguai, sendo filha de brasileiros, sempre a chamavam de castelhana. Mesmo com todo movimento de brasileiros ao redor, nunca se considerou só uruguaia desprezando o Brasil, nem agora só brasileira desprezando o Uruguai.

Os anos se passaram e ela continuou residindo em São Borja. Em 1998 se formou em direito pela Unijuí e hoje é estudante de Ciências Sociais com habilitação em Ciência Política, pela Universidade Federal do Pampa. Trabalha como advogada, mas, sobretudo, exerce um ofício que é intrínseco a si mesma, lutando pela liberdade, contra as desigualdades e opressões, ao qual afirma: “A luta não pode parar, não podemos achar que agora está tudo bem”.


Um comentário:

Unknown disse...

Orgulho de ter convivido contigo e tua família querida Neuza. Tu és a história viva da resistência.