“Eu já tô cansada. Ainda bem que em seguida eu tô indo embora daqui. Imprensa? Isso não serve pra nada. Mostraram a nossa situação umas três vezes, já. Meu marido até apareceu no jornal, fizeram foto e tudo. A gente só se expôs e, no fim, tivemos que nos virar. Mas eu tô indo embora daqui em seguida, é isso o que vocês precisam saber.”
Isso foi o que nos disse Dona Marlene*, 46 anos. O estresse é notável em sua fala porque ela e sua família moram, atualmente, em uma casa que está em área de risco – nos arredores do Rio Uruguai, numa época do ano em que a enchente não acontece se houver sorte.
O que diferencia sua casa das outras é que, para não abandonar o lugar e trocar seu lar por uma casa popular oferecida pela Prefeitura (pequena e mal localizada, segundo ela), sua família construiu um andar de cima, de modo improvisado. Quando o rio sobe, o andar de baixo fica submerso na água e a família leva todos os pertences ao segundo piso.
Vista por fora, a casa é toda de madeira, com uma pintura azul desbotada pela umidade. Foi estranho imaginar a casa num dia de rio cheio. Porque, se estivéssemos exatamente naquele lugar onde estávamos, só que num dia de enchente, estaríamos cobertos pela água, tendo ainda que nadar um pouco para alcançar a superfície.
Como foi dito por Dona Marlene no início do texto, ela e sua família deixarão a casa em breve. Pra onde vão, quando vão, como vão, ela não quis dizer. Não foi por falta de insistência - fomos até sua casa quatro vezes. Gostaríamos de lhe passar essas informações, mas poderíamos ser presos por invasão de privacidade.
Podemos, no entanto, traçar um paralelo entre seu depoimento atual e o de seu marido, entrevistado por nós no ano passado também em período de enchente, por volta de junho. Nessa época, tivemos a sorte de encontrá-lo em casa para uma entrevista. Voltemos ao ano passado:
Seu José*, 48 anos, é o pai da família. Enquanto assiste a um jogo da Copa do Mundo pela TV (sim, nós abusamos da sua boa vontade), nos conta com orgulho como foi a construção da casa que “fez com as próprias mãos para não abandonar um lugar que ama”. Numa visão geral, José parece mais otimista que a esposa e revela parte da sua história:
A família vive no lugar há mais de 30 anos. Os vizinhos são velhos amigos. Foi ali que suas filhas cresceram e os netos nasceram. Ainda segundo ele, a região é tranquila, “mais tranquila do que a região da cidade onde estão as casas populares”.
Hoje, porém, eles estão indo embora.
A natureza desfaz lares e nem pede licença. Parece que sempre foi assim, mas a inteligência humana evoluiu tanto que, diante das incríveis inovações da engenharia atual, é paradoxal saber que situações como essa acontecem. Ainda mais quando há mortes envolvidas. Uns diriam que se trata de questões políticas... Mas na natureza não há política. Em alguns casos, não há nem piedade.
Ainda bem que o caso de Seu José e Dona Marlene não é tão dramático. Todos estão vivos. Um pouco estressados, mas isso passa. A enchente passa. E a imprensa, que não serve pra nada, também.
*Os nomes usados no texto são fictícios para preservar a privacidade da entrevistada, que recusou-se a autorizar a publicação de seu nome e de seus familiares.
Isso foi o que nos disse Dona Marlene*, 46 anos. O estresse é notável em sua fala porque ela e sua família moram, atualmente, em uma casa que está em área de risco – nos arredores do Rio Uruguai, numa época do ano em que a enchente não acontece se houver sorte.
O que diferencia sua casa das outras é que, para não abandonar o lugar e trocar seu lar por uma casa popular oferecida pela Prefeitura (pequena e mal localizada, segundo ela), sua família construiu um andar de cima, de modo improvisado. Quando o rio sobe, o andar de baixo fica submerso na água e a família leva todos os pertences ao segundo piso.
Vista por fora, a casa é toda de madeira, com uma pintura azul desbotada pela umidade. Foi estranho imaginar a casa num dia de rio cheio. Porque, se estivéssemos exatamente naquele lugar onde estávamos, só que num dia de enchente, estaríamos cobertos pela água, tendo ainda que nadar um pouco para alcançar a superfície.
Como foi dito por Dona Marlene no início do texto, ela e sua família deixarão a casa em breve. Pra onde vão, quando vão, como vão, ela não quis dizer. Não foi por falta de insistência - fomos até sua casa quatro vezes. Gostaríamos de lhe passar essas informações, mas poderíamos ser presos por invasão de privacidade.
Podemos, no entanto, traçar um paralelo entre seu depoimento atual e o de seu marido, entrevistado por nós no ano passado também em período de enchente, por volta de junho. Nessa época, tivemos a sorte de encontrá-lo em casa para uma entrevista. Voltemos ao ano passado:
Seu José*, 48 anos, é o pai da família. Enquanto assiste a um jogo da Copa do Mundo pela TV (sim, nós abusamos da sua boa vontade), nos conta com orgulho como foi a construção da casa que “fez com as próprias mãos para não abandonar um lugar que ama”. Numa visão geral, José parece mais otimista que a esposa e revela parte da sua história:
A família vive no lugar há mais de 30 anos. Os vizinhos são velhos amigos. Foi ali que suas filhas cresceram e os netos nasceram. Ainda segundo ele, a região é tranquila, “mais tranquila do que a região da cidade onde estão as casas populares”.
Hoje, porém, eles estão indo embora.
A natureza desfaz lares e nem pede licença. Parece que sempre foi assim, mas a inteligência humana evoluiu tanto que, diante das incríveis inovações da engenharia atual, é paradoxal saber que situações como essa acontecem. Ainda mais quando há mortes envolvidas. Uns diriam que se trata de questões políticas... Mas na natureza não há política. Em alguns casos, não há nem piedade.
Ainda bem que o caso de Seu José e Dona Marlene não é tão dramático. Todos estão vivos. Um pouco estressados, mas isso passa. A enchente passa. E a imprensa, que não serve pra nada, também.
*Os nomes usados no texto são fictícios para preservar a privacidade da entrevistada, que recusou-se a autorizar a publicação de seu nome e de seus familiares.
Por Dhouglas Castro, Dyuli Soares e Karol Petrucci 
 
 
 
                     
 
                     
 
                     
 
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