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18 de abr. de 2011

Negro Julho

Uma das maiores enchentes da história São Borjense vista 
pelo olhar de quem superou aqueles sombrios dias de Julho
   
Quase todo ano é a mesma coisa. Quando o inverno se aproxima, as preces aumentam. Para a população ribeirinha ou para os moradores da área que abrange o Cais do Porto de São Borja, os dias de inverno são duros em virtude de uma única certeza: a enchente voltará para assombrá-los.
     
Foram tantos anos marcados por chuvas fortes e intensas que varreram casas e deixaram restar apenas tristeza e desolação. Felipe Barreto, 86 anos, passou por duros momentos nas temporadas que registraram as maiores chuvas da cidade. “Eu lembro daquela enchente de 1941 que a gente via casas e caminhões arrastados pela água”, lamenta. Mas houve outro acontecimento em especial que não lhe sai da cabeça. “A enchente de 1983 veio até a entrada do porto, sorte que não veio acompanhada de vento, senão estaríamos perdidos”, relembra entre um suspiro e outro.

Era inverno de 1983. Mais precisamente no mês de julho, a cidade foi castigada com dezenove dias ininterruptos de chuva, que elevaram o nível do Rio Uruguai a surpreendentes 19 metros acima do nível normal. A água engoliu o Cais do Porto. “O porto desapareceu... A água chegou na parede daquele prédio”, lembrou Seu Felipe, apontando para o prédio que hoje é ocupado pelo Super Chesini, na esquina da Avenida Francisco Miranda com a rua Ângelo Proença.
   
Outro que traz na memória a tristeza daqueles dias sombrios é Agripino Matosa, um comerciante de 76 anos que reside nos fundos de seu estabelecimento, o Bar da Tia Lourdes, alocado no coração do Cais. “Olha, tchê, não é fácil a gente largar tudo o que construiu, mas nós temos que nos salvar, né?”. Agripino se refere aos dias em que precisou abandonar sua residência em virtude da chegada da enchente. O esforço era muito grande, segundo ele, pois sua família fazia questão de levar consigo o que pudesse ser salvo. Na maioria das vezes eram os eletrodomésticos e móveis. “Se pudesse eu não deixava uma garrafa, porque podíamos perder tudo”, enfatiza.  

A enchente de 1983, que foi classificada como a maior dos últimos cem anos, deixou aproximadamente cinco mil pessoas desabrigadas. A prefeitura intercedeu pela população e acabou os alojando em terrenos que hoje compõem a Vila Promorar II, à época o local fora batizado como “A vila dos flagelados”.  O programa previa inicialmente a construção de 100 casas e pretendia deslocar os moradores numa faixa de 13m ao longo do rio. Parte do previsto foi realmente construído e ocupado. Para os que não conseguiram aderir ao programa da Prefeitura, restava recorrer aos amigos e parentes.

Os amigos Felipe e Agripino felizmente superaram o terrível inverno de 1983 graças à solidariedade dos parentes. Puderam retornar às suas casas que, “depois de uma boa lavadinha e uma boa mão de tinta”, seriam novamente habitáveis. Até hoje os dois sentam para conversar e o assunto vem à tona. É inevitável não lembrar. É impossível esquecer. “Muitos amigos nossos perderam tudo o que tinham”, relembram os dois. Foram tantos anos superando as dificuldades da vida que eles dizem já ter adquirido prática para caso a enchente volte a atormentá-los. Homens de admirável coragem e espírito solidário precisam de muito mais que uma enchente para serem abatidos.   

Água invade o antigo Mercado do Porto, terreno hoje ocupado pelo Super Chesini (Arquivo Newton Falcão).

 A tragédia vista por um outro olhar
Alguns periódicos da cidade acompanharam de perto esta história. José Newton Falcão foi um dos jornalistas que fizeram a cobertura daquele fatídico Julho de 1983. No link a seguir, você pode ouvir o relato de Falcão sobre os acontecimentos acarretados pela enchente.



Para não perder o costume...

Curiosamente, no dia em que a reportagem conversava com os entrevistados, parte do Cais do Porto encontrava-se submersa por causa da abertura das comportas mais à norte do Rio Uruguai.
Confira as imagens em nossa galeria.
04 de Abril de 2011 (Crédito: André Schmidt)
 

Texto por Leonardo de Moraes
Fotos por André Schmidt

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