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12 de jul. de 2011

De margem a margem

   Em época de enchente balsas de madeira vindas de Chapecó aportavam em São Borja. Formadas por uma tora colada a outra, com 150 metros de extensão, seguiam o curso do Rio Uruguai manobradas por duas lanchas, encarregadas de puxar a carga. A madeira comum era o pinho, que chegava beneficiada e bruta, depois seguia para o Uruguai. Com a enchente as águas encobriam a Cascata de Mercedes, e assim tornava viável a navegação. Caso o nível d’água baixasse, as balsas teriam de aguardar para seguir viagem. Nestes tempos, as enchentes ocorriam em épocas certas, de março a setembro, e algumas foram batizadas. Era o caso das enchentes Santa Rosa e São Miguel.

   Estes balseiros, chamados de “catarinas” em referência ao estado de onde vieram, movimentavam os bares do porto e as casas de mulheres na Toca da Onça, hoje conhecida como Vila da Praia. O Corpo de Fuzileiros Navais ficava responsável pela segurança dos bairros próximos do porto e da área da costa. Formado por 60 homens, garantia a proteção que a Brigada Militar não abarcava, devido ao baixo contingente de soldados. O Corpo de Fuzileiros era responsável pelo controle de travessias, bem como do fornecimento de licenças para construção de barcas e lanchas, onde indicavam um engenheiro naval para aprovar a estrutura da embarcação. A atual sede da Polícia Federal pertenceu aos Fuzileiros até 1979, ano em que foram dispensados. Desde então, as funções desempenhadas por eles foram delegadas aos Fuzileiros de Uruguaiana.

   “As embarcações responsáveis por atravessar carros eram barcas e o transporte exclusivo para pessoas eram lanchas” esclarece Lucena. A primeira barca a realizar a travessia São Borja/Santo Tomé foi construída por dois agricultores vindos de Xanxerê – SC: Ismar Galina e Rui Dalazenha. A embarcação suportava 14 carros em cada trajeto. Chamava-se Almirante Tamandaré. Com o passar do tempo o volume de tráfego aumentou e exigiu embarcações maiores. A última de que Lucena lembra chamava-se Mercosul, que conseguia transportar 30 caminhões a cada viagem. Nos primórdios a Argentina não possuía embarcações. A única travessia era de uma balsa do exército argentino que trazia cavalos para disputar torneios de pólo, realizados contra o exército brasileiro. Só após cinco anos depois do serviço de travessia disponível no Brasil é que os argentinos iniciaram o transporte fluvial com uma pequena barca, com limite de 8 carros. Nessa época não se falava em ponte, por já existir uma no município de Uruguaiana, próximo de São Borja.

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   Natural de Caxias do Sul, Edgar Lucena aportou no Corpo de Fuzileiros de São Borja em 1958. Oito dias depois de chegar obteve uma licença e pode enfim conhecer a zona portuária. Conta que se assustou com tamanho movimento - “era um formigueiro”, afirma ele. Existiam 45 lanchas e cada uma tinha capacidade para levar de 38 a 40 pessoas. Em pouco tempo, Lucena já era conhecido por todos e estava a par da rotina de comércio entre Brasil e Argentina. Os Fuzileiros eram responsáveis pelo controle de veículos e pessoas que iam ao país vizinho. Vistoriavam as cargas, o limite de produtos trazidos, bem como o destino dos transeuntes após a travessia.
   No ano de 1976 foi transferido para o Rio de Janeiro, mas deixou família aqui. Retornou em 1980, depois de pedir baixa dos serviços militares, somando quase 20 anos de Marinha. Enquanto esteve no Rio, realizou cursos com pretensões de assumir o cargo da Delegacia Capitania dos Portos. Para a surpresa de Lucena, nesta época o governo extinguiu o cargo, assim passou a ser tarefa do governo Municipal contratar um responsável pelas questões portuárias. Edgar Lucena desempenhou a função de “Encarregado do Porto” por quase 15 anos. Tratando-se de um porto internacional, era necessária a colocação da bandeira do país de origem na popa (frente) da embarcação e na proa (atrás) a do país onde fosse atracar. Mesmo sendo lógico que barcas e lanchas sairiam daqui rumo ao outro lado da margem, frequentemente eram mandadas de volta por falta de identificação da bandeira. A exigência de coletes salva-vidas, a vistoria das embarcações antes de deixar o porto, limpeza e manutenção do cais, tudo era supervisionado por ele.
   Com a construção da Ponte da Integração, e sua posterior inauguração em 1997, os serviços de travessia no porto foram se extinguindo. O movimento de pessoas e veículos no bairro do Passo transferiu-se para o centro. A área portuária passou a servir como recanto de restaurantes e bares, tornando-a ponto turístico e área para promoções e eventos culturais. O formigueiro de pessoas com suas compras argentinas deixou de ocupar a paisagem. A desativação das barcas e lanchas também trouxe desemprego. Os changueiros, que prestavam serviços informais de transporte e carregamento de mercadorias, cessaram o movimento na margem do Rio. Os funcionários contratados para o trabalho nas balsas saíram à procura de outro emprego.
   De seus 53 anos, Rui Alberto Vieira Jesker trabalhou 14 como balseiro (como está na carteira de trabalho). “Tinha carteira marítima e tudo”. As travessias funcionavam das 08 às 18 horas e demoravam em média quinze minutos para ir do Cais do Porto de São Borja para o Porto Formigueiro em Santo Tomé. Após a inauguração da ponte ficou dois anos desempregado. Hoje trabalha como vigia noturno em uma cooperativa. Não reluta em afirmar que o “tempo das balsas” era melhor para ele e sua família. Segundo sua mulher, Nelcida Aguilar Jesker, 50 anos, “aquele era um tempo de abundância”, referindo-se ao transporte fluvial em São Borja. Conta que construíram sua casa só com materiais de construção comprados na Argentina, trazidos aos poucos, mas com uma considerável diferença nos gastos. “Hoje já não é tão acessível fazer compras na Argentina, não compensa. Agora fica fácil pra quem tem carro. E ainda não dá pra trazer muitas compras, tudo tem uma quantidade de limite”, enfatiza.  


Texto por André André Schimidt e Leonardo de Morais

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