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12 de jul. de 2011

Entrevista – Susy de Araújo Rillo

Ao entardecer de um gélido dia de junho, Susy de Araújo Rillo abre as portas de sua residência para mostrar que mantém viva a lembrança de um renomado ícone da tradição gaúcha. Indica cada detalhe da biblioteca onde Apparício Silva Rillo concebeu inúmeros trabalhos. Com 79 anos e mostrando disposição, conta sobre a limpeza de livro por livro que fez, com o auxílio de sua empregada, na semana que passou. Nesta conversa, rememora sua vinda para São Borja, bem como os momentos que a antecederam.

Susy Rillo e o Esposo
(Crédito: Arquivo Pessoal)
A senhora também é de Porto Alegre?
   Eu sou de Guaíba. O Apparício também, ele só nasceu em Porto Alegre. O pai dele e a mãe moravam em Guaíba. Como era o primeiro filho e lá não tinha hospital, só parteira, ele foi para o Hospital São Francisco, de Porto Alegre e ali ele nasceu. Com sete dias ele foi pra Guaíba e registrado lá. Então dá sempre essa confusão, nasceu em Porto Alegre ou Guaíba? Nasceu em Porto Alegre, mas foi registrado em Guaíba.


Como a senhora e o Apparício se conheceram?
   As famílias se conheciam. Convivemos desde pequenos. Minha mãe casou e foi morar do lado de uma tia-avó dele. Ele vinha sempre pra casa dessa tia dele, nós brincávamos juntos. Que eu tenho lembranças do Apparício, ele tinha 8 anos e eu 7. Uma lembrança assim, eu andando de bicicleta e ele também, nas corridas. Lembro da beira da praia em Guaíba, tinha coqueiros, um hotel em frente, faziam corridas de bicicleta. Tinha a adulta e a infantil, que era com as bicicletas de três rodas. Quando ele tinha 8 anos ele tirou o primeiro lugar, na de meninos, e eu tirei o primeiro lugar na feminina.


E seguiram mantendo contato?
   Enquanto ele cursou o ginásio nós sempre brincamos juntos na casa dessa tia. Eu, ele e as irmãs dele, até quando nós tínhamos uns 12 anos. Aí o pai dele se mudou, era engenheiro agrônomo, e a família se mudou pra Capela do Santana, em Caí. O Apparício então foi interno de um colégio em Novo Hamburgo, mas continuava vindo pra casa da tia em Guaíba. Aí quando a gente ficou mocinho, entre uns 14 e 15 anos, começamos nos olhar, a se gostar, era um namoro daquela época. Ele era muito tímido, as vezes ele ia até minha casa, cantava uns versinhos pra mim. Sentado numa pedra ele cantava, e eu abria a janela pra ver ele e rápido fechava, eu era tímida também. Sou um pouco ainda. Ele tinha um violãozinho de duas cordas. As minhas amigas me perguntavam: “tu não gosta?”, claro que eu gostava. No carnaval as irmãs dele também vinham pra Guaíba, nós éramos muito amigas. O carnaval era no cinema. Desmontavam o cinema, arrumavam o salão e lá era a festa. Ele era muito tímido, não queria dançar. Aí eu ia até ele, convidava, “vamos dançar Apparicinho?”, dançávamos, era divertido. Era um namoro, mas um namoro de criança. Quando ele tinha 15 anos o pai dele se mudou pra Ijuí. De lá ele me mandava cartas. Escrevia que não queria mais namorar, que era muito longe, mas eu continuei trocando cartas com as irmãs dele, mandávamos retratos, álbuns umas pras outras. Então, por intermédio delas eu sempre tinha notícias do Apparício.
   Ele fez o 2° grau em Ijuí. Certa vez o Apparício e mais uns amigos fumavam escondidos em uma sala, mas era proibido. Quando o professor chegou na sala ele jogou o cigarro na lixeira e acabou por pegar fogo numa cortina (risos). Era um turma de quatro, cinco rapazes, e eu fiquei amiga de todos eles. Acabou sendo expulso, o diretor era muito rígido. Ele já estava querendo ir pra Porto Alegre e tinha 18 anos, precisava se apresentar para o serviço militar. Queria servir em Porto Alegre, não em Ijuí.
   Nessa época eu tinha um rapaz que gostava de mim, até jantou lá em casa umas vezes, mas eu nunca quis nada. Aí uma noite o Apparício chegou lá na porta de casa. Antes ele me mandou uma cartinha dizendo: eu to voltando pra Porto Alegre, vou servir [quartel] aí e queria te ver, porque eu acho que agora nós vamos reatar e vai ser definitivo. Me lembro como se fosse hoje, chegou “oi, tudo bom?”, eu disse “oi”. “Vamos no cinema?”, ele perguntou, aí eu perguntei pra minha mãe: “Mãe, posso ir no cinema?” e ela respondeu:  “Pode, depois eu vou”. Naquela época era assim, o pai e a mãe iam junto. Deixei o outro rapaz lá e fui com ele. Aí nós nunca mais no separamos. Eu tinha 17, ele 18.


E como se deu a vinda a São Borja?
   Ele serviu, tirou o segundo grau. Fomos dois anos namorados, dois noivos aí casamos. Depois que eu fiquei mocinha, minha vida ficou muito paralela à dele. Claro que eu estudei, tirei o ginásio no Colégio ------- em Porto Alegre, estudei música, tirei gaita, eu estava fazendo didática, me preparando pra lecionar. Depois que ele formou-se como técnico em contabilidade. Depois fez vestibular pra economia na PUC. Ele tinha uma vontade muito grande de ir embora. Sempre dizia que queria ir pra Mato Grosso, pra longe, interior. Quando ele estava no segundo ano nos casamos.
   Foi assim: em 1954 nós viemos pra Nhu-Porã, recém casados. Casamos no dia 15 de maio e dia 19 chegamos na vila de Nhu-Porã. Eu tinha 21 anos. Aqui tinha um cunhado, ficaria perto da irmã dele. Ficou sabendo que na vila tinha um armazém muito grande que supria as fazendas, porque as fazendas aqui eram enormes, tinham um único dono. Naquela época São Borja não tinha muitas plantações de arroz, quando eu vim pra cá era plantação de linho e produção de couro. Recém começavam a plantar trigo. Aí ele veio trabalhar como contador pra essa firma. Ali tinha tudo o que tu imagina, tudo o que tu possa imaginar. Nossa comunicação aqui era o trem que passava três vezes por semana. Quando viajávamos o trem ia até Santa Maria e fazia baldeação pra Porto Alegre.
   Tivemos nossa primeira filha em Nhu-Porã, em 1955. Nós moramos lá por cinco anos e depois viemos pra cidade, pra São Borja. Nesta época o pessoal comprava muito couro, porque estava dando muito dinheiro e o Rillo também comprou. O couro era destinado pra exportação. Quando o Juscelino foi eleito presidente, cortou a exportação do couro. Todo mundo perdeu. O mercado interno não supria todo o consumo e também, a exportação pagava muito mais. Foi aí que resolvemos vir pra cidade. Viemos pra cá com duas filhas e ele seguiu trabalhando como contador.


Como foi encarar esta mudança drástica de rotina?
   Minha rotina mudou muito. Eu senti muita falta do rio, o Guaíba, porque eu tomava banho lá, eu nadava. Não tinha frutas e eu não gosto de doces.  Aqui só tinha laranja, bergamota, abacate e mamão. Aprendi aqui a comer mamão. Agora, banana, maçã, pêra não. Então minha mãe mandava uma cesta de frutas pelo trem e daqui eu mandava lingüiça, carne, coisas que eu fazia aqui. Por exemplo, pão foi uma coisa que eu tive que aprender a fazer. Então, nós dois saídos de Porto Alegre, uma cidade com tudo, largamos tudo pra começar uma vida sem nada, numa vila? Não é fácil. Essa poeira que tem aqui eu não me acostumei até hoje. O Rillo sempre adorou o Rio Uruguai, sempre cantou pra esse rio, mas é diferente. Eu sempre tive medo do rio Uruguai. Por quê? Não sei, mas sempre que eu tenho que atravessar naquelas lanchas pequenas meu coração treme.[...] A casa da minha mãe fica em frente à praia. Aí tu vens pra cá, numa vila, onde só passa um trem na tua frente três vezes por semana. Então, o que era minha diversão? Eu me arrumava, pegava minha filha e ia esperar o trem, ver o trem chegar. Comprar jornais e revistas atrasados. Era assim! Nós éramos acostumados a ler em Porto Alegre. A banca vinha junto com o trem e ia embora.


A senhora acompanhou o surgimento do grupo “Os Angueras”?
   Começou ali em Nhu-Porã. O Rillo sempre foi criativo. Por circunstâncias da vida eu sempre fui muito ligada a ele, e sempre ajudo nas ideias e promoções que ele faz. Como lá em Nhu-Porã a gente não tinha nada pra fazer ele organizava torneios de time de futebol e vôlei. Quem fez os primeiros casamentos comunitários em São Borja foi o Rillo. Eu dei catequismo pras crianças que eram muito pobres, de ranchos, primeira comunhão. Fazíamos quermesses, festas, porque a gente queria erguer uma capelinha. Em Nhu-Porã fundou um CTG, o Sete Povos, bem grande, aí a gente fazia baile, festa pra arrecadar dinheiro pra construir a capela. Naquela época eram muito valorizados os concursos de miss, aí uma Miss Rio Grande do Sul era de Guaíba, e nós trouxemos a primeira miss, num baile em Nhu-porã. Antes de vir pra cidade o Rillo fundou o Clube dos Dez, com amigos que fomos fazendo lá. Eram dez amigos pra jogar vôlei, futebol de salão e basquete.  Faziam torneios grandes aqui. Existia uma rivalidade muito grande, porque o Clube dos Dez sempre ganhava. Ganhava, ganhava, ganhava, sabe. Cada semana era a mulher de um dos integrantes que lavava todo o fardamento. Assim foi por nove anos. Aí depois o pessoal começou a ficar com mais idade e já não estava mais jogando muito. O Bicca veio de Cachoeira, começaram a escrever músicas, ai eles se juntaram, foram deixando o Clube dos Dez, e desse clube surgiu um grupo de arte amadora, que era “Os Angueras”. Quando eles fundaram, faziam música, cantavam. Fazíamos reuniões, eles com mais freqüência, mas uma vez por mês as esposas se reuniam ao grupo. Assim o grupo cresceu, foi fazendo apresentações em todo o estado, foram pro Rio (estado), pra Bahia, sempre representando o Rio Grande.


Durante o Festival da Barranca (exclusivo para homens), o que as mulheres dos participantes fazem? Tem algum evento próprio?
   Nos primeiros anos acontecia uma reunião com as mulheres do pessoal que vinha de fora. Teve festas que nos fantasiávamos, lembro que, como eu gosto muito de tango, me vesti como uma dançarina de tango (risos).

Por André Schmidt

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