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11 de jul. de 2011

Ohara faz história

Aguardávamos na parada diagonal ao prédio da UERGS, sexta-feira, 10 de junho, rumo ao Bairro do Passo. O ônibus da linha Arneldo Matter chegou aproximadamente às 14 horas. Ohara Vargas Almeida tem 39 anos, está no terceiro semestre do curso de Serviço Social e ao mesmo tempo encaminhado-se para o término do técnico em hospedagem no Instituto Federal Farroupilha. Começou ambos no início de 2010, quando passou nos dois processos seletivos, ainda que sua expectativa fosse conseguir apenas um. Conta que neste semestre por muitos dias seguiu a rotina de sair do campus da Unipampa no fim de tarde rumo ao Instituto para as aulas que iniciam às 19 horas.  Em julho deste ano começa o estágio para concluir o curso técnico. Serão dezesseis dias no Hospital Ivan Goulart, onde terá de passar pelas áreas de higienização, nutrição e recepção. “A área de hotelaria não chama muito minha atenção. Escolhi fazer o estágio no hospital porque vai servir também pro meu interesse quando eu for atuar com o serviço social” – explica.

Alberto Lucero exibe fotografia onde aparece
ainda menino em cima de uma embarcação.
(Crédito: Arquivo pessoal)
O destino é a residência de Alberto Lucero, no número 2038 da Avenida Júlio Tróis. Ohara desenvolve desde o ano passado um trabalho de resgate histórico com o personagem. Entre entrevistas, coleta de documentos, fotos, gravações de vídeo, ela conheceu a história de no mínimo mais sete pessoas. Quem coordena os trabalhos é a professora, mestre em hospitalidade, Priscyla Hammerl. Com 25 anos, vinda de São Paulo, completa um ano de atividades no Instituto. É dela a proposta do projeto História Oral: percepções de hospitalidade no município de São Borja. Elaborado o plano de ação, surgiu a pergunta: como resgatar a história de São Borja? Com a falta de arquivo documental, incumbiu a seus pupilos a busca de informações por meio da estória das pessoas que vivem aqui. “Os alunos perceberam que São Borja tem muito mais história do que ‘a terra dos presidentes’. Eles viram que a história das pessoas que moram aqui também é importante. As estórias de vida... é o cotidiano que forma, na verdade, a história da cidade.”, conta Priscyla, no discurso de sucesso na empreitada. Com o conceito de hospitalidade como relação entre anfitrião e hóspede, “seja na rua, em casa, em ambiente público ou comercial”, foram em busca destes jogos de relações sociais.

É a quarta vez que Ohara vai à casa do “Seu Alberto”, intimidade conquistada depois de muita conversa e aplicação de formulários de perguntas. “Essa moça queria saber até o que a gente come aqui em casa”, fala Alberto, de cabelos bem brancos, 64 anos, com ar de graça. Morador dos arredores do porto desde que nasceu sabe como ninguém, reviver os tempos áureos de movimento intenso proporcionado pela travessia das balsas. Explica que changueiros eram os encarregados de esvaziar as balsas, levando as mercadorias de um lado a outro, geralmente usando um carrinho de mão, função desempenhada por  ele durante anos. Sempre envolvido pelo movimento portuário, chamado de formigueiro, também vendeu pastel e arroz doce aos transeuntes. Foi para o quartel e após o serviço obrigatório ficou por um ano trabalhando no transporte de areia pelo rio Uruguai, vinda de Itaqui. Até aí, como ele mesmo define, sua vida foi fluvial. Depois disso seguiu para outros trabalhos e só voltou a trabalhar lá pouco antes da despedida das balsas, em 1997.

Embarcação Bebeca
(Crédito: Foto de Arquivo do I Memória em Foco)

Esta visita era especial. Ohara trazia para Alberto o convite do I Memória em Foco: exposição de fotos e relatos. Lá foram expostas as fotos e estórias das pessoas que contribuíram com o projeto. O evento seguiu do dia 15 ao 17 de junho, aberto para toda comunidade. Coincidência ou não, a foto que ilustra o convite foi cedida pelo Seu Alberto. Em outro encarte, com formato de cartão postal, há outra foto do arquivo de memórias. A foto mostra dois adultos posando para a foto em cima de uma balsa. No verso, a legenda explica que ele é um dos homens em questão na embarcação Bebel. Depois de um olhar demorado, levanta os olhos para nós e esclarece: “O barco na verdade se chama Bebeca. Aqui na foto não dá pra ver bem, mas é Bebeca, não Bebel”. Convicto do nome da embarcação, Ohara aproveita a situação e reitera o convite para a exposição. “Lá o senhor terá a oportunidade de arrumar o erro”. Seu Alberto concorda e elucida: “Eu posso contar pras pessoas como eram as coisas, posso contar com detalhes, porque assim elas vão conseguir imaginar aquilo que eu vou falar. Vai ajudar a entender melhor a foto”. 

Texto e vídeo por André Schmidt

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