A saga de oito civis que unidos concretizaram, no sentido literal, a aliança Brasil e Argentina.
Segundo o dicionário, vizinho é aquele que está próximo a nós, ou melhor, que mora perto. Mas procurando mais além não há nada que fale sobre a convivência entre vizinhos. Bem, sejamos racionais... Para uma convivência satisfatória, é indispensável manter um relacionamento estreito de respeito mútuo, principalmente quando as partes envolvidas (os vizinhos) têm em vista algum bem para a vizinhança e seu bom convívio. Mas será que praticamos esse espírito de boa vizinhança em nosso dia-a-dia? De que forma o vivemos?
Pois nossa história começa com as cidades vizinhas São Borja (RS/BRA) e Santo Tomé (CR/ARG), mais precisamente na década de 70. Separadas pelo Rio Uruguai, as cidades mantinham uma relação estritamente comercial. À época, as transações comerciais eram feitas através de balsas e lanchas. A zona portuária de São Borja crescia intensamente em virtude dos negócios. A relação entre as cidades era proveitosa para ambas, tanto que o “comércio formigueiro” (assim era chamado o serviço de travessia) girava grande parte da economia das duas cidades. Ainda assim, muitas pessoas acreditavam que essa ligação deveria ser melhor explorada. Mas de que forma isso aconteceria? A ideia inicial era conquistar para São Borja, o que o governo instituíra em Uruguaiana em 1938: uma ponte que unia definitivamente o Brasil a Argentina. No entanto, a prefeitura são-borjense não dera muita atenção ao apelo da comunidade, pois como já havia a ligação Uruguaiana-Paso de Los Libres, acreditava-se que não seria boa ideia construir uma segunda ponte tão próxima da primeira. Do lado argentino a reivindicação também foi feita, mas igualmente rechaçada pelo governo de lá.
Sem o apoio das prefeituras, entusiastas brasileiros e argentinos aliaram-se sob o mesmo ideal. Elegeram um pequeno grupo que defenderia a construção da ponte junto aos dois governos federais. Formada por oito pessoas (4 brasileiros e 4 argentinos), a aliança fronteiriça atenderia pelo nome de Comissão Pró-Ponte. Segundo o são-borjense Paulo Baron Maurer, 82 anos, presidente da comissão, começava ali a peregrinação de mais de 20 anos para a realização do sonho de dois povos.
- A COMISSÃO PRÓ-PONTE
Os oito representantes da Comissão Pró-Ponte. Reprodução de publicação argentina. (Arquivo Pessoal - Paulo Maurer). |
Com a criação da comissão, a ideia de construção da ponte começa a ganhar força entre os dois povos. A comunidade está representada por oito entusiastas. Do lado brasileiro, são Paulo Maurer, Ibrahim Mahmud, João Munró e Marco Teló os disseminadores do ideal. Unem-se a eles os “hermanos” Ricardo Argilaga, Roberto Corti, Carlos Vignolo e Osvaldo de Brum.
Segundo o presidente do comitê, o que unia “aqueles oito incansáveis” era o espírito de perseverança e o desejo de ver brotar o sonho de duas nações. Na tentativa de ganhar a atenção dos governos federais, a Comissão Pró-Ponte compareceu a inúmeros encontros entre presidentes e governadores de ambos países. De acordo com Paulo Maurer, que guarda um volumoso apanhado de registros destes encontros, “foi no cansaço” que eles conquistaram a atenção dos governantes. Em 1972, a comissão obtém seu primeiro êxito. Consegue que o então prefeito de São Borja, José Pereira Alvarez, o Juca, faça o primeiro contato com o governo brasileiro, que por sua vez, começa a tratar do assunto com o país vizinho.
Quando as coisas pareciam ir na direção certa, o sonho precisou ser brevemente interrompido. Paulo Maurer conta que um telegrama enviado pelo ministro brasileiro dos transportes, Mário Andreazza, endereçado ao prefeito Juca Alvarez, atestava que naquele momento a construção de uma nova ponte era inviável. Um duro golpe para qualquer um. Menos para aqueles oito sonhadores.
O povo acusou o golpe. Cabisbaixos, resignaram-se com a situação. Mas a comissão não pretendia entregar os pontos com tanta facilidade. Deram continuidade às viagens e às abordagens surpresa que faziam aos governantes. De acordo com Paulo Maurer, ele e seus companheiros chegaram a ser chamados de loucos pela comunidade, por não se renderem às imposições do governo. A cada não que recebiam, empenhavam-se ainda mais na odisseia.
O fatídico telegrama. Reprodução Arquivo Pessoal - Paulo Maurer. |
- A LUTA CONTINUA...
Paulo conta que o projeto “deu uma esfriada” entre aquele telegrama de 1972 e o início dos anos 80. Mas segundo ele, foi no ano de 1984 que “a coisa começou a engrenar”. Para “profissionalizar o negócio” e reiterar o apoio da comunidade, a Comissão Pró-Ponte resolve fundar a Associação dos Produtores e Empresários de São Borja e Santo Tomé (APESS). Assim que fundada, a APESS recebe o Rotary Clube de São Borja e o Lions Club de Santo Tomé como parceiros na empreitada.
Reprodução de publicidade da campanha Pró-Ponte. Arquivo Pessoal - Paulo Maurer. |
De todas as andanças que fizeram, os integrantes da comissão conquistaram a simpatia e a amizade de muitos políticos. De acordo com o presidente Paulo (também foi eleito presidente da APESS), Pedro Simon e Antônio Britto foram dois grandes aliados que acabaram se unindo à causa. Outro político com quem Paulo mantinha uma estreita relação era o governador da província argentina de Corrientes, Ricardo Leconte, com quem veraneava junto em Torres. Aproveitando-se dessa condição, Paulo Maurer convidou o então governador do Rio Grande do Sul, Pedro Simon, para uma visita a São Borja, sendo que já havia endereçado o convite ao governador de Corrientes. Segundo Paulo, foi aí “que a coisa ficou oficial”.
Foi em 1987, no Parque de Exposições Serafim Dornelles Vargas, em São Borja, que se encontraram os dois governadores para avaliação da proposta. Sabendo do iminente encontro, Paulo Maurer e seus companheiros montaram um pequeno estande com amostras e documentos da sonhada obra.
Embora acreditasse na viabilização do projeto, Simon sugeriu alguns retoques. Ele afirmava que para persuadir o governo, seria necessário “engrandecer” a obra. Nas suas palavras, não bastava uma ponte que interligasse São Borja a Santo Tomé, mas sim um canal intercontinental. Ali mesmo, no Parque de Exposições, foram feitas as mudanças. A comissão produziu um esboço daquilo que o governador sugeria. Bastou Simon pousar os olhos sobre o projeto para proferir uma palavra que jamais sairá da cabeça de Paulo: “Eureka”!
Encantado com aquilo que via, Simon discursou a favor da ponte e prometeu grande empenho pela efetivação do sonho de são-borjenses e santo tomesinos. E Simon cumpriu com a promessa...
Reprodução do desenho feito para apresentação ao governador Pedro Simon. Arquivo Pessoal - Paulo Maurer. |
- A COROAÇÃO DA LUTA
Depois daquele encontro entre os governadores, o sonho tornou-se palpável. Em 1989, os presidentes José Sarney (BRA) e Raul Alfonsín (ARG), assinam um acordo bilateral. Decide-se que a construção da ponte será feita via concessão à iniciativa privada. A realização das licitações ficam incumbidas aos dois governos. Para tanto, foi criada a Comissão Mista Argentina Brasil (COMAB), encarregada de conduzir o processo licitatório.
Paulo Baron Maurer, 82 anos, e seu dossiê sobre o projeto Pró-Ponte. (Foto: André Schmidt). |
Mas ainda assim, não é chegada a hora de comemorar. Ainda é preciso adentrar a década de 90, comparecer a mais encontros governamentais para que seja materializada a ponte. Segundo Paulo Maurer, foi necessário fazer um pouco mais de pressão no então governador Antônio Britto, para que ele pudesse interceder junto aos presidentes Fernando Henrique Cardoso (BRA) e Carlos Menem (ARG). O processo encaminha-se para etapa de conclusão, tendo como capítulo final a inauguração da Ponte Internacional São Borja-Santo Tomé no dia 09/12/97. Inúmeras autoridades de ambos países se fizeram presentes na grande festa, inclusive seus respectivos presidentes.
A comissão, criada nos longínquos anos 70, está toda reunida. Recebe cada autoridade com um sorriso no rosto e um firme aperto de mão. Estão todos felizes. Mal sabem os governantes que as verdadeiras autoridades no assunto são aqueles oito perseverantes entusiastas que jamais deixaram de sonhar. Aquilo não é mais um sonho. Isto, agora, é uma conquista. Um grande passo para o bom convívio entre os vizinhos. Agora é a nossa vez de contribuir.
No trecho a seguir confira o que Paulo Maurer contou ao Infoscópio sobre a assistência recebida no decorrer da empreitada a favor da ponte:
No trecho a seguir confira o que Paulo Maurer contou ao Infoscópio sobre a assistência recebida no decorrer da empreitada a favor da ponte:
O gráfico a seguir sugere o número de veículos de carga que transitaram na ponte internacional São Borja-Santo Tomé, contribuindo assim para a economia de ambos os países. Para obter mais informações sobre os números de 2010, acesse e confira.
Fonte: Centro Unificado de Fronteira (CUF). |
Texto por Leonardo de Moraes
Fotos por André Schmidt
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